30/03/2013

ROMPENDO A ALELUIA


Naquele tempo o povo ribeirinho devotava um sacrossanto respeito à Semana Santa. Tanto que a partir da quinta-feira não mais se pegava em objetos cortantes como facas e tesouras. Mamãe dizia que quando se usava esses instrumentos se estava cortando o “corpo de Deus”. Desse modo se preparava o peixe para o consumo na sexta-feira na véspera. Consumir carne, então, nem pensar! Também era proibido alterar a voz: falávamos cochichando pelos cantos. Nossa casa mergulhava num silêncio sepulcral. Parecia que até a natureza silenciava: o rio apenas murmurava entre barrancos, o vento mal balançava as folhas do coqueiro... E ai de quem mijasse fora do caco! Mamãe grelava os olhos em cima do transgressor que inapelavelmente “rompia” o Sábado da Aleluia levando merecida coça. Hoje, vendo a baderna que se promove nesse dia, com bebedeiras, brigas e som no último volume, mergulho em meus comigos e volto ao aconchego quase divino de nossa casa, perdida em alguma curva do tempo, às margens do Cajari.

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