20/05/2012

Carta/canção para adormecer os homens e despertar as crianças

         Em paz com Deus e com os homens, o peito pleno de amor e as mãos ornadas de ternura, escrevo esta carta em forma de canção que faça dormir os homens e despertar as crianças, que soe como o burburinho da água na ribanceira do rio, o farfalhar do vento nas  mangueiras, o trinar dos pássaros tecendo alvoradas ou o badalar de sinos na Hora do Ângelo. Uma canção para despertar a criança que trazemos dentro de nós: umas, adormecidas pelo cansaço causado por uma sociedade cada vez mais embrutecida pelo imperativo categórico produzir, consumir e consumir-se; outras, amordaçadas para que suas verdades não incomodem a mentira nossa de cada dia; outras, deixadas de lado por  absoluta falta de tempo ou relegadas ao esquecimento para que seus sonhos de ser não venham se antepor às exigências do ter. Uma carta/canção que nos abra os olhos para um mundo mágico, belo e possível, presente em essência mas ausente de fato no mundo caótico em que vivemos, que nos faça compreender que o pequeno mundo que vemos de nossas janelas, não tão belo e colorido como os vistos através das janelas virtuais, é mais real, humano e possível de interferências e mudanças dentro das possibilidades de cada um. Um mundo feito de seres e coisas palpáveis onde um copo d’água possa fazer a diferença, um gesto de amor salvar uma vida e o pão da palavra saciar muitas almas famintas de afeto; onde o dinheiro não seja tudo, a tolerância seja substituída pela aceitação mútua das nossas diferenças e uma palavra possa abrir portas para mil possibilidades. Enfim, um mundo onde a paz deixe de ser três letras esquecidas nas páginas dos dicionários. Que esta carta/canção nos faça ver o mundo através dos olhos da inocência onde um pássaro seja tão somente um poema emplumado a cantar nos galhos da manhã e não um item no mercado negro de animais silvestres, uma árvore deixe de ser um verde pacote com os dólares da devastação ambiental e passe a ser vista como uma bandeira desfraldada sobre a esperança, um rio seja a líquida rua do poeta e do mururé e não uma fonte de energia a inundar belos montes de vida, cultura e poesia. Talvez alguns vejam nesta carta apenas um monte de palavras. Mas um monte de palavras que pode mudar você, que pode mudar o mundo em sua volta. E eu amo as palavras e nelas acredito. Por isso é que fabrico, com elas, quixotescamente, meu escudo e minha lança para investir contra os moinhos da insensibilidade humana, para arrancar viseiras, derrubar os muros do preconceito, da intolerância e da opressão; para abrir estradas, construir pontes e rasgar horizontes à demanda de um mundo mais justo, igualitário e fraterno. Eu acredito na palavra como ferramenta divina deixada por Deus para formar, informar e transformar o homem e o mundo. A para revolver a lavra  revelando o tesouro escondido no garimpo da alma de cada ser humano. Um tesouro que o tempo não consome e os ladrões não roubam. Eu acredito, por exemplo, na palavra paz, na palavra amor, na palavra amizade, na palavra igualdade, na palavra união, na palavra justiça, na palavra esperança, na palavra sonho, na palavra alegria, na palavra fraternidade, na palavra fé, na palavra perseverança, na palavra felicidade, na palavra poesia, na palavra... Palavra!
         E você, em que palavra acredita?

Antonio Juraci Siqueira

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